TJSP- DUPLICATA SIMULADA COMPRADA POR FACTORING - CONDENAÇÃO DO EMITENTE

Duplicata simulada (art. 172, “caput”, do Cód.Penal). Emissão fraudulenta de títulos de crédito, sem lastro em negócio subjacente anterior. Provas seguras de autoria e materialidade. Palavras coerentes e incriminatórias da vítima e de testemunhas. Confissão judicial. Validade. Condenação imperiosa. Responsabilização inevitável. Apenamento adequado, impassível de alterações, quanto à dosimetria. Pena privativa de liberdade. Delito apenado com detenção.Ocorrência de erro material. Necessidade de correção. Apelo improvido, com observação.

TRIBUNAL DE JUSTIÇA

PODER JUDICIÁRIO

São Paulo

Registro: 2011.0000313814

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos do Apelação nº 0001822- 50.2007.8.26.0011, da Comarca de São Paulo, em que é apelante JOSÉ LUIZ PALLEROSI sendo apelado

MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SÃO PAULO.

ACORDAM, em 4ª Câmara de Direito Criminal do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: "Negaram provimento ao recurso.

V. U.", de conformidade com o voto do Relator, que integra este acórdão.

O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores SALLES ABREU (Presidente sem voto), EUVALDO CHAIB E EDUARDO BRAGA.

São Paulo, 6 de dezembro de 2011

LUIS SOARES DE MELLO
RELATOR

Apelação Criminal nº 0001822-50.2007.8.26.0011

Comarca: São Paulo

(30.ª Vara Criminal proc. 145/2010)

Juíza: Dra. Isaura Cristina Barreira

Apelante: omissis

Apelado: Ministério Público

EMENTA: Duplicata simulada (art. 172, “caput”, do Cód.Penal). Emissão fraudulenta de títulos de crédito, sem lastro em negócio subjacente anterior. Provas seguras de autoria e materialidade. Palavras coerentes e incriminatórias da vítima e de testemunhas. Confissão judicial. Validade. Condenação imperiosa. Responsabilização inevitável. Apenamento adequado, impassível de alterações, quanto à dosimetria. Pena privativa de liberdade. Delito apenado com detenção.Ocorrência de erro material. Necessidade de correção. Apelo improvido, com observação.

Visto.

Ao relatório da sentença douta, que se acolhe e adota, acrescenta-se que omissis saiu condenado às penas de 3 anos de reclusão (regime aberto), mais 10 dias-multa, mínimo valor unitário, pela prática da infração penal capitulada no art. 172, “caput”, por 4 vezes, c.c. art. 71, ambos do Código Penal (duplicata simulada, por 4 vezes, em continuidade delitiva) substituída a pena privativa de liberdade por duas restritivas de direitos, consistentes em prestação pecuniária e multa.

O apelo do acusado f. 265/270 pretende, essencialmente, a modificação do julgado em sua parte meritória e conclusiva, buscando a improcedência da demanda e conseqüente inversão do resultado, com absolvição, por defendida insuficiência de prova quanto ao dolo na sua conduta.

Anotam-se contra-razões ministeriais f. 272/276 que defendem a mantença do r. decisório de origem.

Autos distribuídos (f. 281), foram imediatamente encaminhados à douta Procuradoria de Justiça que, após vista regular, conclui, em parecer respeitável, pelo parcial provimento do apelo com redução das penas impostas (f. 282/284), chegando o feito ao Gabinete do Relator, finalmente, aos 28.out.2011 f. 285.

É o relatório.

Duplicata simulada, por 4 vezes, em continuidade delitiva (art. 172, “caput”, por 4 vezes, c.c. art. 71, ambos do Código Penal).

Acusado, proprietário da empresa “omissis Ltda.”, emite 4 duplicatas, no importe total de R$ 2.070,00, sem correspondência com venda efetiva de bens ou prestação de serviços à empresa “omissis Ltda.”.

Após, o réu desconta o título junto à empresa “omissis Fomento Mercantil Ltda.”, que o repassa para o Banco Bradesco S.A.

Ante o não pagamento dos títulos, a instituição financeira protesta a empresa-vítima.

Estes os fatos, em suma.

E os autos demonstram, sem sombra de dúvidas, a responsabilidade do apelante.

Condenação, dessarte, acertada.

Elementos mais que suficientes a garantir autoria e materialidade delitiva.

Assim e de saída, pela materialidade amplamente demonstrada nos (i) boletins de ocorrência, f. 3/4 e 5/6, e (ii) cópias dos documentos acostados à f. 9/16, 28/34, 99-A/124 e 165/166.

E a autoria é mais do que certa.

De efeito.

Assim e de início, pelas narrativas de (i) Patrícia, f. 7/8, e (ii) Diogo, f. 201, representantes da empresa-vítima “omissis Ltda.”.

Informam que, após adquirirem impressos da empresa pertencente ao acusado, receberam os boletos bancários para pagamento dos produtos, os quais adimpliram rigorosamente em dia.

Afirmam que, algum tempo depois foram surpreendidos com o primeiro aviso de protesto e, em contato com a empresa do acusado, foram informados que havia ocorrido um erro e que a nota seria cancelada.

Entretanto, nos meses subseqüentes, continuaram a receber avisos de protesto, referentes a outras duplicatas, e desde então não mais conseguiram contato com a empresa do acusado.

No mesmo sentido incriminatório, as palavras das testemunhas (i) Antônio, f. 99 e 160, (ii) Paulo, f. 231, e (iii) Wilson, f. 232.

Antônio, representante da factoring que operava com a empresa do acusado, confirma o desconto das duplicatas e o seu inadimplemento, pelo sacado ou pelo emitente.

Paulo e Wilson, funcionários da empresa do acusado, esclarecem que a firma enfrentava dificuldades financeiras na época dos fatos e que não houve entrega de material para a empresavítima.

Finalmente, a confissão judicial do acusado, que admite a emissão das duplicatas sem a prestação de serviços à empresa-vítima f. 234.

O acusado ainda procura se escusar afirmando ter encaminhado e-mail à factoring solicitando que as duplicatas não fossem encaminhadas ao cartório medida sabidamente inócua, considerado que tais títulos somente poderiam ser baixados por medida judicial ou por quitação.

Na verdade, o que resta claro da leitura dos autos é que não conseguiu o réu legitimar, nem de longe, aquelas emissões que, por isso mesmo, podem e devem se considerar fraudulentas.

Se está caracterizado nos autos que houve emissão de duplicatas e que estas, efetivamente, não representam ou representaram efetivo negócio existente entre as partes, resta inviabilizada e indemonstrada a relação cambiária subjacente, autorizadora da emissão, viciando o título e o negócio, este, na verdade, inexistente.

E se esta emissão teve vistas a reforçar o patrimônio do emitente (sem causa subjacente autorizadora da relação cambiária, repita-se), a fraude assume contornos criminais, exatamente como aqui.

Anote-se que o que interessa para a perquirição de duplicatas e sua legitimidade, como aqui, é sua eventual emissão fraudulenta, o que se busca na relação cambiária entre as partes e no conseqüente negócio jurídico subjacente, que o tenha originado.

Vale dizer: questiona-se somente se o negócio subjacente estaria comprovadamente documentado ou de outra forma com lastro probatório de existência tal que autorizasse a emissão de cártulas, fazendo nascer e existir entre as partes a relação cambiária.

Se não há causa subjacente ou ela é ilegítima, o título inexiste ou existe injustificadamente.

Quando emitido com vistas a desconto sem causa que o autorize, então, exatamente como aqui, isto assume contornos criminais e deve ser punido.

Ou o título tem causa, o que estaria a importar em aceitação de sua emissão (relação cambiária existente) ou não a tem (relação cambiária inexistente).

Neste segundo caso, em não havendo causa de emissão e por isso mesmo estando ilegitimado o título, percebe-se a existência de crime, na medida em que aquela emissão buscou desconto de um negócio simulado e inocorrente.

"Id est": nada se negociou e, não obstante, lançaram-se duplicatas para descontos, que não correspondiam a efetivo negócio entre as partes.

O fato é crime e, certa a autoria, merece responsabilizado o agente.

Condenação, portanto, inevitável.

“Quantum satis”.

Apenamento.

Base fixada no mínimo legal, com majoração, ao final, em 1/2, pela continuidade delitiva, tornando definitivo o apenamento em 3 anos de reclusão, mais pagamento de 15 diasmulta, mínimo valor unitário.

E aqui, quanto ao apenamento, o inconformismo subsidiário da defesa, questionando o aumento imposto pela continuidade delitiva e sustentando a necessidade de sua redução.

Sem qualquer razão, entretanto.

A continuidade delitiva, corretamente reconhecida, não pode resultar em majoração mínima.

Trata-se distintamente situações diferentes.

O número de delitos praticados não permite benevolência.

Se há mínima continuidade, mínimos serão os acréscimos.

Não aqui, onde é grande o número de delitos.

De efeito.

Distinto deve ser o comportamento apenatório, notadamente na “fictio” da continuidade delitiva, quanto àqueles que praticam poucas ações delituosas, do que, como aqui, aqueles que praticam ações criminosas em série, nada menos do que quatro, seqüencialmente.

Não deve, portanto, a majoração se dar pela base mínima, mas em percentual mais ajustado ao comportamento denotado nos autos e ao número de delitos.

Daí que deve ser mantida a majoração estipulada, com acerto, pelo d. Juízo sentenciante.

Um único reparo se faz necessário, entretanto.

É que a origem impôs pena de reclusão ao acusado (f. 256), enquanto ao crime em que saiu condenado é atribuída pena tão somente de detenção.

Assim, evidente o erro meramente material constante da condenatória, faz-se necessária a correção por aqui, para constar que o réu saiu condenado às penas de 3 anos de detenção, mais 15 dias-multa, valor unitário mínimo.

Preenchidos os requisitos legais, oportuna a substituição da pena privativa de liberdade por duas restritivas de direitos, consistentes em prestação pecuniária e multa (art. 44, do Código Penal).

Regime benéfico para o caso de eventual cumprimento da corporal.

POSTO, nega-se provimento ao recurso, com observação quanto à pena privativa de liberdade imposta ao acusado detenção.