TJRS - NP POSSIBILIDADE - LIQUIDEZ E CERTEZA - CDC NÃO APLICAÇÃO PARA FACTORING - IMPENHORABILIDADE DO BEM DE FAMÍLIA

EMBARGOS À EXECUÇÃO. NOTA PROMISSÓRIA. CASO CONCRETO. MATÉRIA DE FATO. LIQUIDEZ, CERTEZA E EXIGIBILIDADE EVIDENCIADAS. DESNECESSIDADE DE PROTESTO OU APRESENTAÇÃO DO TÍTULO PARA EXECUÇÃO EM FACE DOS AVALISTAS. IMPENHORABILIDADE DA TOTALIDADE DO BEM DE FAMÍLIA DEMONSTRADA. CORREÇÃO MONETÁRIA E JUROS A CONTAR DO VENCIMENTO. INAPLICABILIDADE DO CDC. VALIDADE DOS ENCARGOS. APELO PROVIDO EM PARTE.

APELAÇÃO CÍVEL  DÉCIMA QUINTA  CÂMARA CÍVEL
Nº 70045645942  COMARCA DE LAGOA VERMELHA
HEITOR JOÃO TREVISOL   APELANTE
CREDIMASTER FACTORING FOMENTO MERCANTIL LTDA. APELADA
RODIAL FRANCISCO GUADAGNIN  INTERESSADO

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos os autos.

Acordam os Desembargadores integrantes da Décima Quinta  Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado, à unanimidade, em dar provimento em parte ao apelo.

Custas na forma da lei.

Participaram do julgamento, além do signatário (Presidente), os eminentes Senhores DES. ANGELO MARANINCHI GIANNAKOS E DESA. ANA BEATRIZ ISER.

Porto Alegre, 09 de novembro de 2011.

DES. VICENTE BARROCO DE VASCONCELLOS,
Relator.

RELATÓRIO

DES. VICENTE BARROCO DE VASCONCELLOS (RELATOR)

Trata-se de apelação interposta por HEITOR JOÃO TREVISOL, nos embargos à execução opostos por ele contra CREDIMASTER FACTORING FOMENTO MERCANTIL LTDA., da sentença (fls. 341-6) que julgou parcialmente procedente a pretensão para acolher em parte a impenhorabilidade com relação à residência e afastar o excesso de execução no montante de R$ 50.000,00.

Em suas razões (fls. 358-400), alega o apelante: a) impenhorabilidade da totalidade do bem de família, sendo descabido seu desmembramento; b) necessidade de resguardo da meação de sua esposa; c) inexequibilidade da nota promissória; d) iliquidez da obrigação; d) descabimento da correção monetária e dos juros, devendo estes últimos incidir a contar da citação; e) nulidade da fiança prestada sem outorga uxória; f) ausência de responsabilidade quanto às duplicatas; g) incidência do CDC à relação em exame; h) possibilidade de revisão de toda a contratualidade; i) necessidade de produção de prova pericial; j) abusividade dos juros remuneratórios; l) direito à compensação e à repetição de indébito.

Com preparo e sem contrarrazões, subiram os autos.

Registro, por fim, que foi observado o previsto nos arts. 549, 551 e 552, do CPC, tendo em vista a adoção do sistema informatizado. 

É o relatório.

VOTOS

DES. VICENTE BARROCO DE VASCONCELLOS (RELATOR)?

Primeiramente, no que diz respeito à exeqüibilidade da nota promissória, não é necessário o protesto ou a apresentação para se promover a execução contra o aceitante da letra de câmbio ou contra o emitente da nota promissória, bem como contra seus respectivos avalistas, consoante já decidiu o STJ (AgRg no Ag 1214858/Sidnei Beneti e AgRg no REsp 487250/Fernando Gonçalves).

Além disso, a falta de indicação da época do pagamento não torna inexeqüível o título, pois o art. 76 do Decreto nº 57.663/66, bem como o art. 331 do CC, determinam que se a nota promissória não indicar a data do pagamento, esta será considerada como pagável à vista. Logo, não há falar em interpelação prévia, restando caracterizado o inadimplemento dos embargantes.

Frise-se que, consoante termos da inicial executiva (fls. 02-06 dos autos em apenso), não se trata de execução do contrato de fomento mercantil, mas da nota promissória firmada pelos embargantes na condição de avalistas.

Igualmente, não há falar em iliquidez do título, uma vez que a nota promissória, conforme preenchida (fl. 30), por si só, é título líquido, certo e exigível, inexistindo imposição de legal de constituição específica em mora no caso em exame.

Ademais, adentrando na contratação de fomento, cumpre consignar que o fato das duplicatas emitidas não possuírem causa subjacente, dando em ensejo ao seu inadimplemento, torna exigível a garantia prevista no contrato de fomento, isto é, a nota promissória avalizada pelos embargantes, ora apelantes.

Com relação às arguição de nulidade da garantia por ausência de outorga uxória e necessidade de resguardo da meação da esposa do embargante, não conheço do recurso, uma vez que ninguém pode pleitear em nome próprio direito alheio, salvo quando autorizado por lei, o que não é o caso dos autos.

No que diz respeito à impenhorabilidade da totalidade do imóvel, a jurisprudência do STJ admite o desmembramento do imóvel protegido pela Lei n. 8.009/90, desde que tal providência não acarrete a descaracterização daquele e que não haja prejuízo para a área residencial” (REsp 968907/Nancy)

No caso concreto, entendo que não há qualquer evidência no sentido de que seja possível o desmembramento do imóvel, com o afastamento da constrição somente em relação à área da residência, não se tratando de bem que serve de residência e também tem utilidade comercial.

Com efeito, demonstrada que o imóvel serve de residência da família do devedor embargante, forçoso reconhecer a impenhorabilidade da totalidade do bem matriculado sob o n. 2504no Registro de Imóveis de Lagoa Vermelha/RS.

No que tange ao marco inicial da correção monetária e dos juros moratórios da nota promissória, sua aplicação deve ocorrer a partir do vencimento do título, conforme já decidiu esta Câmara (AC 70042618363/Otávio), nada havendo a alterar na sentença nesse aspecto. Todavia, necessário salientar que a nota promissória foi emitida sem a data do vencimento. Logo, esta se considera pagável à vista, incidindo os encargos a contar do momento em que é apresentada ao devedor.

Quanto à aplicação do CDC, não vinga o inconformismo, uma vez que o contrato de fomento mercantil é eminentemente empresarial, visando, como o próprio nome diz, o fomento da atividade mercantil. Ou seja, ainda que identificável eventual hipossuficiência de uma das partes, não se verifica a empresa-cliente como destinatária final.

Relativamente à possibilidade de revisão da contratação, não se está diante da execução do contrato de fomento, mas sim de nota promissória. Dessa forma, resta claro que, nos embargos opostos, somente será passível de impugnação o título que serve de esteio à execução. Eventual postulação revisional quanto ao contrato que lhe deu origem deve ser feita mediante o uso da via própria (REsp 598275/Barros Monteiro).

Ademais, “ad argumentandum”, não restou evidenciada a alegada abusividade dos encargos do contrato de fomento, estando ajustados dentro dos permissivos legais.

No que concerne à prova pericial, tem-se por despicienda a realização desta, pois a apuração do débito é feita através de cálculo aritmético, com a incidência dos encargos reconhecidos como devidos. A perícia é prova que, pelos ônus que representa, em termos de tempo e dispêndio de numerário, só deve ser deferida quando necessária ou pelo menos de evidente utilidade para a solução do conflito trazido a juízo. O presente feito não discrepa de outros tantos que têm comparecido para julgamento neste órgão fracionário. Os cálculos são passíveis de serem executados aritmeticamente, eventuais acessórios, irregularmente exigidos (porque contra a lei e/ou contra o contrato), não causam nulidade do título. Os argumentos colocados demonstram que a perícia contábil não encontra justificativa, sendo despida de utilidade a probação requerida.

Por fim, o reconhecimento da exigibilidade dos encargos prejudica a questão da repetição de indébito e da compensação (REsp 786567/Ari Pargendler).

Por tais razões, dou provimento em parte ao apelo para reconhecer a impenhorabilidade da totalidade do bem matriculado sob o n. 2504no Registro de Imóveis de Lagoa Vermelha/RS, rejeitado quanto ao restante; nada havendo a alterar na sucumbência.

DES. ANGELO MARANINCHI GIANNAKOS (REVISOR) - De acordo com o(a) Relator(a).

DESA. ANA BEATRIZ ISER - De acordo com o(a) Relator(a).

DES. VICENTE BARROCO DE VASCONCELLOS - Presidente - Apelação Cível nº 70045645942, Comarca de Lagoa Vermelha: "POR UNANIMIDADE, DERAM PROVIMENTO EM PARTE AO APELO."

Julgador(a) de 1º Grau: MARCOS BRAGA SALGADO MARTINS