STJ - CHEQUE - AUTONOMIA - A FACTORING NÃO PRECISA DECLINAR A CAUSA SUBJACENTE DO CHEQUE EM AÇÕES CAMBIAIS

 

RECURSO ESPECIAL - AÇÃO DE COBRANÇA - CHEQUE PRESCRITO - EMPRESA DE FOMENTO MERCANTIL - FACTORING - CAUSA ORIGINÁRIA DA EMISSÃO DE CHEQUE - DEMONSTRAÇÃO - DISPENSA - AUTONOMIA DOS TÍTULOS DE CRÉDITO - RECURSO ESPECIAL PROVIDO.
I - Nas demandas de cobrança de cheques prescritos para as ações cambiais, é prescindivel que o autor decline a causa subjacente da emissão das cártulas, cabendo ao réu, se quiser, fazê-lo na oportunidade de apresentação de sua defesa.
II - Recurso especial provido.

Superior Tribunal de Justiça

RECURSO ESPECIAL Nº 1.270.885 - SC (2011/0196022-0)

RELATOR : MINISTRO MASSAMI UYEDA

RECORRENTE : LOURIVAL FOMENTO COMERCIAL LTDA

ADVOGADO : RODRIGO JACOBSEN REISER E OUTRO(S)

RECORRIDO : SEBASTIÃO DE SOUZA

ADVOGADO : VALMOR BEDUSCHI JUNIOR E OUTRO(S)

EMENTA

RECURSO ESPECIAL - AÇÃO DE COBRANÇA - CHEQUE PRESCRITO - EMPRESA DE FOMENTO MERCANTIL - FACTORING - CAUSA ORIGINÁRIA DA EMISSÃO DE CHEQUE - DEMONSTRAÇÃO - DISPENSA - AUTONOMIA DOS TÍTULOS DE CRÉDITO - RECURSO ESPECIAL PROVIDO.
I - Nas demandas de cobrança de cheques prescritos para as ações cambiais, é prescindivel que o autor decline a causa subjacente da emissão das cártulas, cabendo ao réu, se quiser, fazê-lo na oportunidade de apresentação de sua defesa.
II - Recurso especial provido.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da TERCEIRA TURMA do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas a seguir, a Turma, por unanimidade, dar provimento ao recurso especial, nos termos do voto do(a) Sr(a) Ministro(a) Relator(a). Os Srs. Ministros Sidnei Beneti, Paulo de Tarso Sanseverino, Ricardo Villas Bôas Cueva e Nancy Andrighi votaram com o Sr. Ministro Relator.

Brasília, 04 de outubro de 2011(data do julgamento)

MINISTRO MASSAMI UYEDA
Relator

Superior Tribunal de Justiça

RECURSO ESPECIAL Nº 1.270.885 - SC (2011/0196022-0)

RELATOR : MINISTRO MASSAMI UYEDA

RECORRENTE : LOURIVAL FOMENTO COMERCIAL LTDA

ADVOGADO : RODRIGO JACOBSEN REISER E OUTRO(S)

RECORRIDO : SEBASTIÃO DE SOUZA

ADVOGADO : VALMOR BEDUSCHI JUNIOR E OUTRO(S)

RELATÓRIO

O EXMO. SR. MINISTRO MASSAMI UYEDA (Relator):

Cuida-se de recurso especial inteposto por LOURIVAL FOMENTO COMERCIAL LTDA., fundamentado no artigo 105, inciso III, alíneas "a" e "c", do permissivo constitucional, em que se alega violação do artigo 333, inciso II, do Código de Processo Civil, bem como divergência jurisprudencial.

Os elementos existentes nos presentes autos noticiam que a ora recorrente, LOURIVAL FOMENTO COMERCIAL LTDA., ajuizou, em face do ora recorrido, SEBASTIÃO DE SOUZA, ação de cobrança, fundada em cheques prescritos, ao fundamento de que, em resumo, em razão de sua atividade de factoring, tornou-se credor do ora recorrido, SEBASTIÃO DE SOUZA, nos valores estampados nos cheques, os quais, levados à compensação bancária, restaram devolvidos, tendo em conta a ausência de provisão de fundos. Nesse contexto, requereu a procedência do pedido e, por conseguinte, a condenação ao pagamento dos valores no importe de R$6.690,91 (seis mil seiscentos e noventa reais e noventa e um centavos), devidamente corrigidos (fls. 1/3 e-STJ).

Devidamente citado (fl. 15 e-STJ), o ora recorrido, SEBASTIÃO DE SOUZA, apresentou defesa, na forma de contestação. Em linhas gerais, sustentou que os cheques foram emitidos em razão da cobrança de juros abusivos, no patamar de 17% (dezessete por cento) ao mês. Apontou, também, que, dos valores cobrados, há prova de adimplemento parcial. Suscitou, ainda, que é imprescindível a demonstração da causa debendi da cobrança, ainda que tratando-se de título de crédito. (fls. 19/23 e-STJ)

O r. Juízo de Direito da 1ª Vara Cível da Comarca de Rio do Sul/SC, julgou extinto o processo, sem exame do mérito, nos termos do artigo 267, inciso VI, do Código de Processo Civil. Dentre seus judiciosos fundamentos, é possível destacar, in verbis: "(...) tratando-se de sociedade empresarial que visa a exploração de negócios relativos a fomento mercantil, e a fim de impedir qualquer desvio quanto ao seu objeto social, deveria ter ao menos descrito a causa originária da emissão dos cheques, o que não fez, deixando de veicular os créditos reclamados a sua atividade legalmente permitida." E, ao final, foi categórico: "(...) JULGO EXTINTO o processo na forma do art. 267, VI, do CPC." (fls. 61/63 e-STJ).

Irresignado, a ora recorrente, LOURIVAL FOMENTO MERCANTIL LTDA., interpôs recurso de apelação. Em resumo, sustentou que a demanda está fundada na cobrança de cheques emitidos pelo ora recorrido, SEBASTIÃO DE SOUZA, que apesar de prescritos, constituem documentos que comprovam a existência da dívida. Apontou, nesse contexto, que não há necessidade de demonstração da causa originária da emissão dos cheques. Pediu, ao final, o provimento do recurso (fls. 69/76 e-STJ).

Contudo, o egrégio Tribunal de Justiça do Estado de Santa Catarina, por meio da Terceira Câmara de Direito Comercial, à unanimidade de votos, negou-lhe provimento. A ementa, por oportuno, está assim redigida:

"APELAÇÃO CÍVEL - AÇÃO DE COBRANÇA BASEADA EM CHEQUES - FOMENTO MERCANTIL - SENTENÇA EXTINGUINDO O FEITO, SEM RESOLUÇÃO DO MÉRITO, ANTE A IMPOSSIBILIDADE JURÍDICA DO PEDIDO - RECURSO DA PARTE AUTORA.
APELANTE SUSTENTANDO SER PRESCINDÍVEL A DECLINAÇÃO DA CAUSA DEBENDI, BEM COMO, QUE NÃO HAVERIA PROVAS ACERCA DE PRÁTICA ABUSIVA OU USUÁRIA - TESES QUE, NO CASO DO AUTOS, NÃO PODEM SER ACOLHIDAS - POSSIBILIDADE DE ATRIBUIR-SE À EMPRESA DE FOMENTO MERCANTIL O ÔNUS DE COMPROVAR A ORIGEM E DEVIDA AQUISIÇÃO DOS CHEQUES, DESDE QUE
TAIS CIRCUNSTÂNCIAS SEJAM OBJETO DE IMPUGNAÇÃO PELA PARTE DEMANDADA - AUTORA QUE, MESMO APÓS A CONTESTAÇÃO, ADUZINDO O RÉU TER ENTABULADO EMPRÉSTIMOS E NÃO REALIZADO OPERAÇÃO TÍPICA DE FOMENTO MERCANTIL, DEIXOU DE TRAZER QUALQUER DOCUMENTO DESMONSTRANDO A LISURA NA AQUISIÇÃO DAS CÁRTULAS - INOBSTANTE, TÍTULOS EMITIDOS PELO PRÓPRIO DEMANDADO, O QUE EVIDENCIA A INEXISTÊNCIA DE RELAÇÃO COMERCIAL ENSEJADORA DO SAQUE DOS CHEQUES.
Embora não se tenha como vedada a aquisição de cheques,através de contrato de factoring, é ônus da faturizadoras confirmar e comprovar que os mesmos tenham origem em venda mercantil ou prestação de serviços, não se prestando aqueles que foram cedidos como forma de garantia de transações a esse tipo de negociação" (Apelação Cível n.º 70002178762, rel. Des. Elaine Harzheim Macedo, j. em 6-3-2001) (Embargos Infringentes n. 2007.029489-7, de São Bento do Sul. Relator designado: Des. Salim Schead dos Santos).
ÔNUS DA PROVA QUE RECAI SOBRE A EMPRESA DE FACTORING, A TEOR DO ARTIGO 333, INCISO I, DO CPC - NÃO CUMPRIMENTO DO DEVER PROCESSUAL.
Não tendo a parte comprovado o fato constitutivo de seu direito, no momento em que o articulou, desatendido restou o preceito insculpido no artigo 333, inciso I, do Código de Ritos" (TJSC, AI n. 2003.024547-2, de Curitibanos, Rel. Des. Fernando Carioni, DJ de 9-3-2004) (AC n.º 2007.031535-9, de Brusque, Rel. Ricardo Fontes, j. em 18-12-2008).
RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO."

Nas razões do especial, a ora recorrente, LOURIVAL FOMENTO MERCANTIL LTDA., sustenta, em resumo, que a empresa de factoring, para cobrança de seus ativos, não precisa demonstrar a causa originária da emissão de cheques. Aponta, ainda, que, se admitida a possibilidade de discussão da causa debendi, o ônus da prova é do devedor.

Registra, nesse sentido, divergência jurisprudencial (fls. 102/120 e-STJ).

Devidamente intimado, o ora recorrido, SEBASTIÃO DE SOUZA, não apresentou contrarrazões (fl. 152 e-STJ).

À fl. 153 e-STJ, sobreveio juízo positivo de admissibilidade recursal, oportunidade em que o presente recurso ascendeu ao Superior Tribunal de Justiça.

É o relatório.

RECURSO ESPECIAL Nº 1.270.885 - SC (2011/0196022-0)

EMENTA

RECURSO ESPECIAL - AÇÃO DE COBRANÇA - CHEQUE PRESCRITO - EMPRESA DE FOMENTO MERCANTIL - FACTORING - CAUSA ORIGINÁRIA DA EMISSÃO DE CHEQUE - DEMONSTRAÇÃO - DISPENSA - AUTONOMIA DOS TÍTULOS DE CRÉDITO - RECURSO ESPECIAL PROVIDO.
I - Nas demandas de cobrança de cheques prescritos para as ações cambiais, é prescindivel que o autor decline a causa subjacente da emissão das cártulas, cabendo ao réu, se quiser, fazê-lo na oportunidade de apresentação de sua defesa.
II - Recurso especial provido.

VOTO

O EXMO. SR. MINISTRO MASSAMI UYEDA:

A irresignação merece prosperar.

Com efeito.

Em resumo, a ora recorrente, LOURIVAL FOMENTO MERCANTIL LTDA., ajuizou ação de cobrança, em face do ora recorrido, SEBASTIÃO DE SOUZA, tendo em conta a ausência de adimplemento de valores constantes de cheques prescritos, recebidos em razão de sua atividade de fomento mercantil. O r. Juízo a quo, entretanto, extinguiu a demanda, sem exame de mérito, nos termos do artigo 267, incisoi VI, do Código de Processo Civil, por entender que a ora recorrente, LOURIVAL FOMENTO MERCANTIL LTDA., deixou de apresentar a causa originária da emissão dos referidos cheques. Interposto recurso de apelação, o egrégio Tribunal de origem negou-lhe provimento. Daí a interposição do presente recurso especial.

Como é possível perceber, a questão aqui discutida reside em saber se a empresa de fomento mercantil necessita ou não, demonstrar a causa debendi para fins de promoção de ação de cobrança de cheques prescritos.

Inicialmente, é importante registrar que a ora recorrente, LOURIVAL FOMENTO MERCANTIL LTDA., é uma empresa de fomento mercantil (factoring), que tem por objetivo a prestação de assessoria mercadológica, de seleção de riscos, de gestão de crédito, de acompanhamento de contas a receber e de outros serviços, conjugada com a aquisição de créditos de empresas resultantes de suas vendas mercantis ou de prestação de serviços, realizadas a prazo, conforme definido pela Resolução 2.144/95 do Conselho Monetário Nacional.

Nesse contexto, portanto, se mostra prescindível a descrição da razão pela qual a divida se originou, pelo titular de cheque prescrito, para fins de manejo de ação de cobrança, cabendo, assim, ao ora recorrido, SEBASTIÃO DE SOUZA, em sua defesa, inaugurar a discussão acerca da perda da exigibilidade da divida confessada no cheque, descrevendo os fatos pelos quais entende que a ora recorrente, LOURIVAL FOMENTO MERCANTIL LTDA, não poderia mais exercer o direito creditório representado nos títulos.
Nesse sentido, registra-se:

"AGRAVO REGIMENTAL - AGRAVO DE INSTRUMENTO - AÇÃO MONITÓRIA - CHEQUES PRESCRITOS - PRODUÇÃO DE PROVA - CERCEAMENTO DE DEFESA - REEXAME DO CONJUNTO FÁTICO-PROBATÓRIO - IMPOSSIBILIDADE - SÚMULA 7/STJ - CAUSA DEBENDI - PROVA - DESNECESSIDADE - DECISÃO AGRAVADA MANTIDA - IMPROVIMENTO.
I - Sendo o magistrado o destinatário da prova, e a ele cabe decidir sobre o necessário à formação do próprio convencimento. Desse modo, a apuração da suficiência dos elementos probatórios que justificaram o indeferimento do pedido de produção de provas demanda reexame do conjunto fático-probatório, providência vedada pela Súmula 7/STJ.
II - O Acórdão recorrido está em consonância com a jurisprudência desta Corte, no sentido de que é desnecessário que o credor comprove a causa debendi do cheque prescrito que instrui a ação monitória.
III - O Agravo não trouxe nenhum argumento novo capaz de modificar a conclusão alvitrada, a qual se mantém por seus próprios fundamentos.
Agravo Regimental improvido." (AgRg no Ag 1376537/SC, Rel. Min. Sidnei Beneti, DJe de 30/03/2011).

No mesmo sentido: REsp n. 291.760/DF, Rel. Min. César Asfor Rocha, DJ de 14/04/2003.

E nem se diga que, na espécie, cuida-se de ação de cobrança. A uma, porque, se é possível a discussão de cheque prescrito, na ação monitória (art. 1.102 - A, do Código de Processo Civil), que tem por objetivo a constituição de título executivo judicial, àquele que possui apenas prova escrita, com maior razão, para o possuidor de cheque, quem tem a autonomia inerente aos títulos de crédito, em geral. A duas, tal circunstância é pura aplicação do vetusto brocardo jurídico quem pode o mais, pode o menos, ou seja, dispensando-se, na ação monitória, a demonstração da causa debendi, a mesma solução deve ser utilizada para a ação de cobrança, em que o titular do direito, empresa de factoring , já possui o título executivo.

Em síntese: nas demandas de cobrança de cheques prescritos para as ações cambiais, é prescindivel que o autor decline a causa subjacente da emissão das cártulas, cabendo ao réu, se quiser, fazê-lo na oportunidade de apresentação de sua defesa.

Assim sendo, dá-se provimento ao recurso especial para determinar o retorno dos presentes autos à Instância a quo, para exame da controvérsia, como entender de direito, invertendo-se, por conseguinte, os ônus sucumbenciais, mantendo-se os percentuais fixados pelas Instâncias ordinárias.

É o voto.

Ministro MASSAMI UYEDA

Relator

Superior Tribunal de Justiça

CERTIDÃO DE JULGAMENTO

TERCEIRA TURMA

Número Registro: 2011/0196022-0 PROCESSO ELETRÔNICO REsp 1.270.885 / SC

Números Origem: 20070604775 20070604775000100 54050042347

PAUTA: 04/10/2011 JULGADO: 04/10/2011

Relator

Exmo. Sr. Ministro MASSAMI UYEDA

Presidente da Sessão

Exmo. Sr. Ministro MASSAMI UYEDA

Subprocurador-Geral da República

Exmo. Sr. Dr. MAURÍCIO DE PAULA CARDOSO

Secretária

Bela. MARIA AUXILIADORA RAMALHO DA ROCHA

AUTUAÇÃO

RECORRENTE : LOURIVAL FOMENTO COMERCIAL LTDA

ADVOGADO : RODRIGO JACOBSEN REISER E OUTRO(S)

RECORRIDO : SEBASTIÃO DE SOUZA

ADVOGADO : VALMOR BEDUSCHI JUNIOR E OUTRO(S)

ASSUNTO: DIREITO CIVIL - Obrigações - Espécies de Títulos de Crédito - Cheque

CERTIDÃO

Certifico que a egrégia TERCEIRA TURMA, ao apreciar o processo em epígrafe na sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão: A Turma, por unanimidade, deu provimento ao recurso especial, nos termos do voto do(a) Sr(a) Ministro(a) Relator(a). Os Srs. Ministros Sidnei Beneti, Paulo de Tarso Sanseverino, Ricardo Villas Bôas Cueva e Nancy Andrighi votaram com o Sr. Ministro Relator.