Um artigo dedicado a um Magistrado com “M” maiúsculo

Hoje serei preguiçoso, me perdoem. Farei este artigo trazendo quase que tão-somente trechos do voto do Ministro do Superior Tribunal de Justiça Humberto Gomes de Barros, extraídos do acórdão em que este Magistrado foi relator em uma demanda que envolvia, no pólo passivo, uma empresa de factoring.
 
Faço isso com o intuito de homenagear um Magistrado que respeita a hierarquia das leis colocando-as como deve ser, acima de interpretações doutrinárias que tanto prejudicam o factoring em nosso país, bem como, de trazer ao conhecimento, ou lembrança, dos que labutam neste setor as verdadeiras teses que temos de defender.
 
No início de 2008, abril, para ser mais exato, deparei-me com este acórdão, cujo relator foi o Ministro Humberto Gomes de Barros, no qual foram expostos entendimentos comuns ao que sempre acreditava (e acredito), porém nunca, até então, tinha visto tais argumentos de forma tão esclarecedora provindos do próprio judiciário.
 
Meu sentimento foi de ver o factoring sendo realmente amparado pela justiça naquele momento. Ao ler o referido acórdão parece que ali está falando um advogado ou empresário de factoring irresignado com as várias injustiças e preconceitos enfrentados pelo setor. Aconselho que leiam a íntegra do acórdão do Recurso Especial nº 820.672 - DF (2006/0033681-3).
 
Desta forma, peço a permissão para simplesmente transcrever alguns trechos do acórdão, que entendo sejam mais importantes, como abaixo:
 
O cheque é regido por lei especial (Lei 7.357/85), o que afasta as disposições sobre títulos de crédito contidos no Código Civil de 2002 (CC/02, Art. 903).
 
Quanto à garantia representada pelo endosso, o Art. 21 da Lei do Cheque é claro:
 
"Art. 21. Salvo estipulação em contrário, o endossante garante o pagamento."
 
A Lei é mais que explícita: quem endossa garante o pagamento do cheque. Seja o endossatário quem for! A Lei não fez exclusões! Portanto, não cabe criar exceções à margem da Lei! Pouco importa se o endossatário do título for uma sociedade de fomento mercantil ou um banco ou uma pessoa física. Isso não diminuirá a garantia gerada pelo endosso. Data vênia, basta a simples leitura da Lei para resolver a questão. (grifei)
 
E mais adiante:
 
Além disso, também cabe menção ao argumento de que o fomento mercantil é baseado num contrato de risco e, por isso, o faturizador não pode ter garantias do recebimento dos títulos comprados. Data vênia, a meu ver, esse argumento não vinga, porque, primeiramente, não há Lei que impute esse risco ao faturizador. Ao contrário, risco muito maior assume quem endossa um cheque, pois a Lei expressamente o coloca na condição de garante do pagamento do valor estampado na cártula. Quem compra título endossado coloca-se em situação até confortável, pois tem opções de cobrança. Corre risco quem endossa cheque, porque passa a figurar na condição de co-devedor.
 
Convém relembrar que, apesar de já existirem alguns projetos de lei em andamento no Congresso Nacional, o fomento mercantil não tem regulação jurídica própria em nosso País. Assim, sob o ponto de vista legal, as sociedades empresárias de fomento mercantil estão sujeitas aos mesmos direitos e obrigações que qualquer outra sociedade que explore outra atividade empresarial. Não há razão para distinção. Em suma: a exclusão da garantia do endosso às sociedades de fomento mercantil é incompatível com os princípios constitucionais da isonomia, da livre iniciativa e da legalidade. (grifei)
 
E a parte que eu mais gosto, permitam-me compartilhar com os amigos:
 
Em que pesem as respeitáveis opiniões doutrinárias, em nosso sistema jurídico doutrina não revoga Lei. O secular e internacional instituto do endosso não pode ser abolido ou mitigado por construção doutrinária sem respaldo legal.
 
Tenho percebido que a jurisprudência tem feito restrições cambiais à atividade de fomento mercantil. Com todo respeito, não entendo o porquê das limitações feitas a tal atividade empresarial, pois a Lei não as faz. Trata-se de negócio lícito, mesmo porque não é proibido. Tal atividade, inclusive, possibilita a sobrevivência de muitas micro e pequenas empresas mediante a negociação imediata de créditos que demorariam certo tempo para ingressarem no caixa das faturizadas-clientes caso não fosse a atividade empresarial das faturizadoras. É verdade que o faturizador compra o título de crédito com abatimento pelo valor de face, mas esse é justamente lucro perseguido nessa empresa (atividade), que não pode ser discriminada pelos Tribunais. Não se pode perder de vista que a livre iniciativa é fundamento da República Federativa do Brasil (CF, Art. 1º, IV). (grifei)
 
E tem mais:
 
Obviamente a garantia do regresso decorrente do endosso reflete nos valores de compra do título de crédito. Tem maior valor o título de crédito garantido pelo endosso, porque representa maior segurança de recebimento para a faturizadora. Em resenha: o interesse e o valor de compra do título de crédito estão diretamente ligados à garantia do pagamento. Isso também não pode ser desprezado na análise de questões sobre factoring . Em conclusão, o entendimento adotado pelo Juiz e pelo Tribunal não possui, data vênia, qualquer apoio legal. Apesar das diversas citações doutrinárias, não houve menção a qualquer dispositivo de Lei que lastreasse a posição adotada pelo Tribunal a quo. Na verdade, a Lei tem solução contrária à posição assumida. (grifei)
 
Finalizando este artigo, gostaria de aproveitar as próprias palavras finais do voto (ou seria uma aula de direito?) do ilustre Ministro, repetindo-as como forma de regozijo e conforto aos que militam neste setor:
 
Por fim, quero apenas deixar um alerta: devemos mais atenção às Leis, porque elas são a fonte primária do Direito. A doutrina - não se nega – tem relevante papel, porém, data vênia, até a mais respeitável opinião acadêmica não pode sobrepor à Lei.
 
Ao terminar, quero deixar minha sincera homenagem a este preclaro Magistrado que não se deixa levar por doutrinas que querem sobrepujar as Leis e que muitas vezes são utilizadas para fulminar pretensões justas e de acordo com as leis vigentes fazendo a verdadeira Justiça, tão necessária ao setor de factoring.
 

*Os trechos acima publicados fazem parte do acórdão publicado em 01/04/2008, referente ao Recurso Especial nº 820.672 -DF (2006/0033681-3) e pode ser baixado no link:
https://ww2.stj.jus.br/revistaeletronica/Abre_Documento.asp?sSeq=759980&sReg=200600336813&sData=20080401&formato=PDF
 

Ernani Desbesel

Ernani Desbesel

Especialista em Negócios de Compra de Recebíveis
MBA em Gestão Estratégica de Factoring
Advogado há 26 anos com especialidade em negócios das Empresas de Compra de Recebíveis
Palestrante em 11 cursos sobre o Setor de Compra de Recebíveis
Ex-empresário do Setor de Fomento Mercantil
Consultor de Empresas de Factoring, Securitização e FIDC
Auditor de Riscos da ISO 31000:2009 (Gestão de Riscos)