Bancos Precisam de Donos

Em meados da década de 70, os grandes bancos internacionais, pressionados pela enorme liquidez gerada pelos petrodólares, passaram a emprestar recursos de forma bastante temerária aos países em desenvolvimento. Estes dólares tiveram origem na alta dos preços do petróleo e, dada a incapacidade das economias dos países produtores de os absorver, tiveram por destino final bancos europeus e americanos. Nos primeiros anos estes empréstimos renderam fartos resultados a estas instituições financeiras.

Mas alguns anos depois a alta dos juros americanos promovida por Paul Volcker cobraria seu preço, na forma de uma inadimplência generalizadas destes empréstimos com seu estopim na moratória mexicana de 1982.

Foi a época em que, no Brasil, o prédio 2439 da Avenida Paulista em São Paulo foi quase totalmente ocupado por escritórios de bancos estrangeiros que aqui se estabeleceram na esperança de reaver seus créditos, ou pelo menos parte deles. Regressaram a seus países tão logo tiveram o problema equacionado.

Uma boa parcela destes bancos, fragilizados pela crise, sucumbiu no processo.

Alguns anos antes da eclosão da crise um grande banco americano, o Mellon Bank, tomou uma decisão dramática: Avaliando corretamente a crise que se seguiria, reduziu a zero sua exposição de longo prazo em países em desenvolvimento.

Isto certamente reduziu em alguns dólares os dividendos distribuídos aos seus acionistas nos anos seguintes. Mas quando a crise eclodiu o Mellon atravessou a turbulência incólume, ao contrário de seus pares.

Um movimento estratégico deste porte não teria sido possível nos dias de hoje. A grande pulverização do capital das empresas, se de um lado atrai recursos que capitalizam as empresas, por outro lado as torna reféns do preço de suas ações. Uma empresa com ações desvalorizadas torna-se potencialmente presa de suas concorrentes. Isto é agravado pelo fato de que a avaliação das empresas está sendo feita com enfoque excessivamente voltado para o curto prazo. Analistas debruçam-se com avidez para tentar adivinhar o resultado das empresas.... no próximo trimestre! Ou aguardam roendo as unhas para saber qual vai ser a decisão do Fed ou do Copom na próxima semana. Além disso, a fixação do bônus dos executivos com base no resultado do ano também induz a administração a pensar são curto prazo.

Se isso é ruim no caso das empresas, no caso dos bancos é péssimo!

Bancos, por natureza, tem operações de longo prazo, cujo real resultado só vai se conhecer com o passar do tempo. Decisões voltadas para o curto prazo podem representar um risco inaceitável.

No entanto a pressão dos mercados pode induzir as instituições a assumir riscos inaceitáveis no longo prazo em troca de melhores cotações para suas ações no curto prazo.

Se, da mesma forma que o Mellon Bank no passado, o Chairman do Bear Stearns tivesse diagnosticado que os empréstimos sub prime no mercado americano apresentassem riscos demasiados no longo prazo e estrategicamente optasse por ficar fora destas operações, o resultado seria menores lucros para o banco no curto prazo.

Seus resultados passariam a ficar muito abaixo dos concorrentes, pois como se sabe num primeiro momento as operações sub prime trouxeram gordos lucros para quem delas participou. Resultados mais baixos levariam a uma imediata queda no preço das ações. Duas coisas poderiam então acontecer: Ou o Chairman seria mantido, e o baixo preço das ações tornaria a instituição vulnerável e provavelmente objeto de um take over hostil por parte de instituições e com ações melhor precificadas. E o Bear Stearns seria absorvido por outro banco.

Ou o Presidente seria demitido pelo “mau desempenho” e a instituição passaria a “seguir o corso” acompanhando as operações de seus concorrentes.

Qualquer dos dois cenários constitui forte desestímulo à que a alta administração de uma instituição tome medidas estratégicas corretas, com uma visão de longo prazo, se estas medidas resultarem num menor resultado no curto prazo.

Na minha opinião esta contradição está por trás de crises como a que assistimos agora com os sub prime americanos. E tendem a se repetir no futuro. A capacidade de tomar decisões estratégicas de longo prazo é fundamental para a saúde e a solidez de uma instituição financeira. E a menos que a instituição tenha seu controle acionário firmemente nas mãos de um grupo de acionistas, isto não é possível no modelo societário atual. “Bancos precisam de dono”, como nos grandes e saudáveis bancos brasileiros.

*Luiz Fernando Vasconcellos é especialista em Mercado de Capitais, sócio da Tercon Consultoria Empresarial e da J & M Investimentos
 
 

Luiz Fernando Conte Vasconcellos

Luiz Fernando Conte Vasconcellos

Engenheiro Químico, com Pós Graduação em Administração de Empresas, especialização em Finanças, pela Fundação Getúlio Vargas.
Trabalhou por 15 anos o Unibanco, de onde saiu como Diretor de Administração de Fundos.
Foi Diretor dos Bancos Iochpe/Bankers, ABC Roma, Crefisul, Sudameris de Investimento, BNP Asset Management e Banco BMG.
No Iochpe, administrou um dos primeiros fundos de investimento – capital estrangeiro - instalados no Brasil, O Brazilian Investment Company.
Professor de Mercado de Capitais, do curso de pós graduação da FAAP .
Foi contratado pelo Governo de Angola para participar da estruturação de seu Mercado de Capitais
Sócio da Tercon Consultoria Empresarial e da J & M Investimentos